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    sábado, 22 de novembro de 2025

    A conta que não fecha: Cataguases e o decreto do contingenciamento tardio

    Após meses de ampliação de despesas que ultrapassaram R$ 4 milhões anuais, gestão municipal aciona freio de emergência com medidas drásticas de contingenciamento

    Foto: Rede Social (Instagram) / Reprodução.

    O calendário político tem dessas ironias. Em março, a Câmara Municipal de Cataguases aprovou uma sequência de projetos que elevaram significativamente os gastos públicos. Em novembro, o mesmo Executivo que patrocinou aquelas propostas assinou um decreto de contenção orçamentária com prazo de 90 dias. Entre uma data e outra, o que mudou não foram as circunstâncias econômicas do país ou do estado – foi, aparentemente, a percepção de que as contas municipais possuem limites.

    O Decreto nº 6.168/2025 do prefeito José Henriques, assinado em 19 de novembro, estabelece cortes no horário de funcionamento da administração pública, revisão de contratos e suspensão de novos afastamentos de servidores. As justificativas apresentadas pelo prefeito José Henriques mencionam déficit financeiro, gastos elevados com pessoal e a necessidade de promover eficiência na gestão. Argumentos razoáveis, não fossem as decisões tomadas pelo próprio governo nos meses anteriores.

    Basta revisar as matérias aprovadas pela Câmara em março para identificar um primeiro paradoxo. O Projeto de Lei Complementar 11/2025, que promoveu a reorganização da Secretaria Municipal da Fazenda, implicou impacto estimado de R$ 2 milhões por ano e recebeu aprovação unânime. Na mesma sessão ordinária de 24 de março, também foi aprovado o PL 16/2025, que direciona R$ 1,6 milhão anuais em subsídios ao transporte coletivo urbano — uma medida que avançou sem a apresentação de estudos técnicos detalhados que embasassem os valores propostos. Vale mencionar que as empresas responsáveis pelo serviço, assim como a Catrans, encontram-se sob investigação do Ministério Público em apurações relacionadas a possíveis irregularidades em licitação, ainda sem conclusão.

    O terceiro item daquela pauta polêmica merece atenção especial. O PL 19/2025 concedeu reajuste de 12,2% aos secretários municipais, elevando vencimentos de R$ 9.156,86 para R$ 10.273,99. O detalhe que não pode passar despercebido: a própria Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara emitiu parecer contrário por inconstitucionalidade. Mesmo assim, o projeto foi aprovado com apenas dois votos contrários. Nos bastidores, conforme apurado pelo portal de notícias Mídia Mineira, alguns secretários teriam pressionado pela aprovação.


    A linha do tempo dos gastos não se encerra em março. Entre as iniciativas aprovadas ao longo de 2025, consta a criação de uma nova Secretaria Municipal de Segurança, Prevenção, Mobilidade e Defesa Civil. Apenas com os vencimentos dos novos servidores, desconsiderando encargos e custos de estrutura, o impacto alcança R$ 96.300 mensais – ou R$ 1,155 milhão anualmente. Trata-se de uma expansão administrativa considerável em momento de alegada crise fiscal.

    A ampliação do quadro de cargos comissionados não ficou restrita à nova secretaria. O Projeto de Lei 002/2025 aumentou vagas efetivas na Prefeitura, com previsão de acréscimo de 4,5% nas despesas com pessoal para 2025 e 4,3% para 2026. O PL 010/2025 elevou salários de cargos de controle interno. Projetos 39 e 40 de 2025 modernizaram a EMATEC, empresa pública municipal, prevendo folha anual entre R$ 12 milhões e R$ 14 milhões quando plenamente estruturada.

    Os números consolidados no portal da transparência municipal revelam o tamanho do descompasso entre discurso e prática. Até novembro, o município gastou R$ 98,2 milhões com folha de pagamento. As despesas com viagens alcançaram R$ 1,7 milhão. Comunicação institucional consumiu R$ 219 mil pagos a quatro emissoras de rádio e um site local, além de R$ 690 mil em credenciamento para serviços de utilidade pública, para as mesmas emissoras de rádio. Carros de som custaram R$ 163 mil aos cofres públicos.

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    A área cultural apresenta números igualmente expressivos. Aproximadamente R$ 1 milhão foi destinado à contratação de artistas e bandas para eventos na cidade. Produtoras de eventos receberam R$ 491 mil. Locação de palco, gradil, energia, som e iluminação para eventos da Secretaria de Cultura ultrapassaram R$ 300 mil, segundo estimativas baseadas em informações fragmentadas no portal da transparência (o valor pode ser ainda maior), estima-se que já foram gastos com eventos somente em 2025, mais de R$ 2 milhões.

    O Plano Plurianual 2026-2029 projeta continuidade dessa trajetória de expansão. A Secretaria de Cultura registra crescimento de 42,5% nas despesas com realização de eventos entre 2026 e 2029. O Festival Modernista, sozinho, avança 31% no período, partindo de R$ 2,1 milhões para R$ 2,7 milhões anuais. A comunicação institucional apresenta elevação de 7,6%, enquanto a folha de Serviços Urbanos cresce 15,4%.

    Análise técnica do próprio PPA municipal identifica riscos fiscais evidentes. A rigidez da folha de pagamento, combinada com vinculações constitucionais obrigatórias em educação e saúde, reduz drasticamente a margem de manobra orçamentária. Simulações apontam que uma queda de apenas 5% nas transferências correntes geraria impacto superior a três vezes todo o pool discricionário disponível – incluindo festival, eventos, comunicação e gabinete.

    Em setembro, durante sessão na Câmara Municipal, a secretária de Cultura reconheceu que a Lei Municipal Ascânio Lopes, que determina destinação de 0,25% do orçamento para fomento cultural via editais públicos, não é cumprida desde 2014. Os recursos previstos foram redirecionados para eventos municipais. Enquanto isso, a gestão ampliou gastos com festividades, mas não aplicou mecanismos de transparência e democratização do acesso aos recursos culturais.

    A questão da transparência merece parágrafo próprio. Existe legislação municipal que obriga a publicação detalhada dos gastos com eventos no portal da transparência e no Jornal Cataguases dentro de 15 dias. Durante sessão ordinária, vereador alertou para o descumprimento dessa norma. A resposta da secretária de Cultura foi considerar suficiente a prestação de contas disponível no portal da transparência – ainda que as informações estejam fragmentadas e dificultem análise consolidada.

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    O decreto de contingenciamento surge, assim, como um reconhecimento indireto de que as decisões adotadas nos últimos meses contribuíram para um cenário de desequilíbrio fiscal. Medidas como a redução do horário de expediente, a revisão de contratos e a suspensão temporária de afastamentos de servidores têm caráter emergencial e atuam mais sobre os efeitos do que sobre as causas. A questão central é saber se haverá disposição para revisar escolhas estruturais que ampliaram despesas de forma permanente. Vale lembrar que o Tribunal de Contas do Estado já havia alertado a administração, ainda no final do primeiro mandato do prefeito José Henriques, sobre o fato de o município ter ingressado no grupo daqueles com elevado comprometimento das receitas correntes. À época, o índice de despesa corrente alcançava 89,17% em um período móvel de 12 meses, indicando forte pressão sobre as contas públicas. Ainda assim, a expansão das despesas prosseguiu, em parte para atender compromissos apresentados ao longo do ciclo político-eleitoral.

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    A situação evidencia um desafio recorrente na gestão pública brasileira: a falta de um planejamento fiscal consistente e de longo prazo. Observa-se a ampliação de despesas permanentes — como folha de pagamento, subsídios e estruturas administrativas — sem que haja, na mesma proporção, um crescimento sustentável das receitas. Além disso, percebe-se uma atuação legislativa pouco firme na fiscalização e no acompanhamento das ações do Executivo, o que reduz a eficácia do controle institucional. Quando o orçamento fica pressionado, os ajustes acabam incidindo sobre os investimentos e sobre a qualidade dos serviços oferecidos à população.

    O quadro se agrava quando se observa que o próprio Poder Legislativo também contribuiu para o desequilíbrio fiscal. Em outubro, a Câmara Municipal aprovou em apenas 19 minutos o Projeto de Lei Complementar 8/2025, criando novos cargos comissionados que elevam a folha de pagamento do Legislativo em mais de R$ 2 milhões anuais. A decisão, tomada contra 94,4% da opinião pública manifestada em consulta, somada aos gastos com reforma do imóvel onde funciona a Casa, reduz drasticamente a margem para que os vereadores devolvam recursos ao Executivo dos duodécimos recebidos durante o ano – prática comum em exercícios anteriores quando havia sobra orçamentária. Com Executivo e Legislativo ampliando simultaneamente suas estruturas de gasto, o contribuinte assiste à sincronização perfeita de dois Poderes na arte de gastar mais do que o orçamento comporta.

    O contribuinte de Cataguases fica refém desse ciclo vicioso. Pagou pela expansão do aparato público nos últimos meses e agora terá serviços públicos prestados em horário reduzido durante o período de contenção. É a população quem sofre as consequências da imprevisibilidade orçamentária e da falta de rigor na análise de impacto fiscal antes da aprovação de projetos que ampliam gastos.

    Resta saber se o decreto de 90 dias será suficiente para reequilibrar as contas ou se representará apenas mais um capítulo na gestão errática das finanças municipais. O PPA 2026-2029 já sinaliza continuidade da trajetória de crescimento de despesas. Sem mudanças estruturais nas escolhas orçamentárias, o próximo decreto de contenção pode estar apenas alguns meses à frente.

    A governança fiscal responsável exige coerência entre o que se aprova em março e o que se decreta em novembro, além de uma previsibilidade para quedas de receitas. Do contrário, a administração pública se transforma em exercício permanente de apagar incêndios que ela mesma acendeu. E quem paga essa conta, invariavelmente, é a sociedade que confia aos gestores públicos a tarefa de administrar recursos coletivos com responsabilidade e planejamento.

    Confira o decreto na íntegra clicando nas imagens abaixo para ampliar:



    Jornalista responsável 
    pelo Portal Mídia Mineira - DRT: 002000/MG

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