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    quarta-feira, 27 de março de 2024

    CARTAS DA PROVÍNCIA - Capítulo 02 - Vendendo Pizza

    Crônica de Chico Aguiar

    ATENÇÂO: “Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”.

    No último sábado recebi um e-mail que veio de encontro ao que afirmei recentemente sobre as cartas. Dessa vez o Joel Henriques preferiu enviar o seu relato por meios eletrônicos. Ele explica ser necessário uma maior agilidade em tudo nesse planeta onde as fronteiras caíram definitivamente com a realidade virtual. “Não há envelope que, mesmo com o seu charme ingênuo, ganhe da velocidade da Rede”, aponta Henriques. E está certo. Certíssimo, certíssimo. E não falemos mais disso. Que, então, sejamos virtuais.

    Henriques continua me contando sobre a vida na pequena Morro dos Carcarás, onde exatos 35.172 habitantes se locomovem entre as extremidades da cidade de comprida avenida que leva o nome do benfeitor da terra, coronel Osmar Cremado, liderança política do início do século passado. Relatou-me que, aproveitando o relevo plano, a cidade nasceu a partir de incursões de mineradores, no final do século retrasado. Diz a lenda que entusiasmados pela bateia que resgatou pequena porção de ouro das águas barrentas do rio do Tejuco, criou-se uma pequena aglomeração que se chamou de Porto dos Três Vintes, valor equivalente ao ouro garimpado. Pelo que entendi a cidade nasceu a partir do engano, ou melhor, da mentira. Mas como não a conheço, prefiro não construir conceitos.
    Pois vamos ao e-mail de Joel Henriques, ou melhor, a carta da província.
     
    “Meu caro Chico, você não imagina as dificuldades que a vida me apresentou nos últimos anos. Sempre desejei morar numa cidade pequena. Inicialmente a minha vontade era retornar para o palco de minha infância. Tentar um resgate dos tempos de felicidade. Mas nada aconteceu como sonhei desde criança. Num certo dia, deve se lembrar, chamaram-me à sala de diretoria do quase centenário grupo escolar. Naquela data descobri que a morte também atinge não somente “os outros”. Levou a minha mãe quando nem sabia direito o que saudade significava. Como disse o poeta Murilo Mendes, recordando de sua genitora, “ela caiu num álbum de fotografias”.

    Acabei optando por Morro do Carcará, para aproveitar a aposentadoria, simplesmente porque Priscila, minha mulher, tem raízes por essa região. Com ela, estanquei sonhos aqui. 
    Certamente é conhecedor de que aposentadoria é uma balela. Dificilmente alguém consegue sobreviver com esses proventos que nos dão ilusão de retribuição pelo trabalho de uma vida, especialmente para nós professores. Para tanto, eu e Priscila resolvemos montar uma pizzaria. Alugamos um pequeno imóvel diante da mais destacada praça da cidade, a que leva o nome de São Dimas, o santo que afirmam ser o patrono dos ladrões e malfeitores arrependidos. Nela, além da sede da administração do município, há a Câmara Municipal Carcarense. E foi lá que na última sexta-feira, ocorreu a reunião onde, teoricamente, os nobres vereadores iriam mostrar que exercem o principal papel deles no legislativo. Sim, é logico que me refiro ao papel de fiscalizadores...

    Na carta anterior, contei que o jovem prefeito de ideias mais velhas do que andar pra frente, também conhecido por “corenezim sem patente”, iria ser denunciado na tribuna da Casa do Povo. Presentes, os 13 componentes ouviram com certo desleixo, ou melhor, sem interesse algum as denúncias sobre obras. Denúncias graves, por sinal. Para ser verdadeiro, cinco desses mantiveram o compromisso com o povo que a eles concedeu um mandato. Os oito restantes, ah, meu amigo, já pareciam convencidos que não iriam dar em nada – talvez acertados - através do sorriso de deboche diante do denunciante. Ao final, em votação, decidiu-se que não haveria uma comissão investigativa. Nenhuma. Nenhuminha... 

    O presidente da casa, Janjão Pipoca, estava tão pimpão e saltitante com o resultado que, apesar de propalada independência política, ligou para a casa do chefe do executivo para as “boas novas”. Dizem que quem recebeu a notícia foi a mulher do prefeito que, ao passar o telefone ao marido, ensaiou alguns passos de macarena em comemoração ao ritmo do grupo Los del Rio, que fez sucesso pelos anos 1996.
    Mas relato esse fato, confesso, com uma certa alegria. Após a reunião recebi uma grande encomenda de pizzas para serem entregues para saciar o apetite da quase totalidade da nossa impoluta vereança. Ao assessor da mesa, tive que ler repetidas vezes o cardápio. Descrevi os ingredientes de nossas opções. Acabou que o pedido ficou em dez pizzas gigantes, sendo três de calabresa com ovos, outras à moda portuguesa e quatro de quatro queijos. E para matar a sede da turma, muito refrigerante. Apenas pediram que a nota fosse enviada na segunda-feira, o que atenderei. Parece que gostaram muito e já que soube que sempre teremos pizza para alguns depois das reuniões. 

    De qualquer forma, Morro do Carcará me surpreende e ensina. A cada dia percebo que não entendo mais nada de política. Ao meu ver, se a denúncia era apenas uma fake news, deveria, isso sim, ser devidamente esquadrinhada, investigada, não é mesmo? Com o resultado negativo, de que não havia nada errado, o fato seria um aval, um abonador do trabalho que se diz desenvolvido na cidade. Além do mais, convenhamos, para isso, entre outras coisas, que se vota em vereador, para fiscalizar. É para isso que recebem também. Mas parece que estão muito atarefados, muitíssimos ocupados. Parece mesmo. Ouvi dizer que alguns cidadãos carcarenses, ciosos da importância do papel dos vereadores na comunidade, preparam listas com as ações de cada um dos representantes nos últimos anos em vista de auxiliar aos eleitores nas urnas. 

    Enquanto isso vou vendendo pizzas. E Priscila, minha esposa, feliz, feliz, aguarda mais reuniões para mandar pizzas, muitas pizzas.

    Não acredita no que estou dizendo? Não tem importância. É tudo verdade, mas como diz Priscila, “acredite, se quiser”.

    Um imenso abraço, meu amigo. Na semana que vem envio outras novidades dessa terra que parece cauda de cavalo, só cresce para baixo.

    Henriques”.

    Esse meu amigo, Henriques, é uma figura rara. Tenho prazer e honra de tê-lo no meu pequeno rol de amizades. 

    Até a próxima semana, irmão.

    Por Chico Aguiar.

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