Parecer de advogado brasiliense solicitado pelo Site Mídia Mineira diz que gestores da Administração Pública devem encontrar parâmetros para equilibrar o controle social da pandemia e a proteção aos direitos individuais fundamentais
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Foto: Rodrigo Nunes/MS |
LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
PESSOAIS E A DIVULGAÇÃO DA LISTA DE VACINADOS CONTRA A COVID-19
Foi decretada a
pandemia da COVID-19 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de
março de 2020[1]. A mídia e a sociedade
passaram a acompanhar, dessa forma e diariamente, a lista de casos e óbitos
relacionados ao novo coronavírus, bem como se fizeram necessárias, concomitantemente,
mudanças comportamentais dos cidadãos e de órgãos públicos de todo o mundo.
Todos os cidadãos tiveram de alterar hábitos básicos de higiene e adotar restrições relacionadas ao contato pessoal e a locais com grande circulação de pessoas. Assim, atividades e comércios ligados ao consumo, lazer e esporte, por exemplo, tiveram de readaptar os modos de funcionar e impor protocolos de proteção como forma de combater a disseminação do vírus.
Ao Poder
Público, por sua vez, foi intensificado o dever de prestação de serviços
eficientes à sociedade, tendo em vista a crescente dos números de infectados e
óbitos, bem como o pleno acesso à rede pública de saúde àqueles que assim
necessitem.
Além disso,
também foi intensificado o dever de transparência e publicidade de todos os
dados e informações relativos à pandemia.
Ocorre que há informações e dados pessoais que encontram resguardo e sigilo amparados pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei n°. 13.709, de 14 de agosto de 2018 –, de forma que a publicização e divulgação ampla e integral de tais conteúdos gera controvérsias e divide opiniões.
Nesse contexto, registra-se que o objetivo da LGPD é a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural – senão vejamos o art. 1º da referida Lei:
Art. 1º Esta Lei
dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por
pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o
objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o
livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Parágrafo
único. As normas gerais contidas nesta Lei são de interesse nacional e devem
ser observadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
É importante trazer à baila, ainda, o previsto no art. 7º, § 3º, da LGPD, a saber:
Art. 7º O tratamento de dados
pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
...
§ 3º O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.
Diante disso, a legislação trazida acerca do tratamento de dados pessoais deve ser obedecida nos momentos de se fornecer – caso forneça – quaisquer documentações de responsabilidade Estatal, haja vista a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justifiquem disponibilizações e publicizações de tais informações dos cidadãos.
A LGPD também define, adicionalmente, diversos conceitos de dados, dentre os quais cito: a) dado pessoal; b) dado pessoal sensível; e c) dado anonimizado. Segue-se, nesse sentido, o art. 5º, incisos I, II, e III, da LGDP:
Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:
I - dado pessoal: informação
relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
II - dado pessoal sensível: dado
pessoal sobre
origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a
sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado
referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando
vinculado a uma pessoa natural;
III - dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;
O art. 13, caput, da Lei em questão, por sua vez, reza que:
Art. 13. Na realização de estudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais, que serão tratados exclusivamente dentro do órgão e estritamente para a finalidade de realização de estudos e pesquisas e mantidos em ambiente controlado e seguro, conforme práticas de segurança previstas em regulamento específico e que incluam, sempre que possível, a anonimização ou pseudonimização dos dados, bem como considerem os devidos padrões éticos relacionados a estudos e pesquisas.
Ademais, os conceitos de anonimização (art. 5º, inciso XI, LGPD: utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo) e pseudonimização (art. 13, § 4º, LGPD: ...a pseudonimização é o tratamento por meio do qual um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo, senão pelo uso de informação adicional mantida separadamente pelo controlador em ambiente controlado e seguro) trazidos pela LGPD devem ser explicitados para fins de fundamentação do presente Artigo Jurídico.
É cediço que a gravíssima crise causada pela pandemia do novo coronavírus afetou diversos segmentos em âmbito nacional – senão todos –, tais como: saúde, economia, política, educação, geração de empregos, turismo, lazer, segurança pública... dentre muitos outros setores – o que tornaria a lista demasiadamente extensa e ainda assim não exauriria a exemplificação.
Com efeito, a crise pandêmica gerou divergências de condutas e de entendimentos entre a Administração Pública, ainda que a intenção do Poder Público tenha sido uníssona: controlar, minorar e resolver os prejuízos causados pela pandemia.
Nesse passo, houve diversos embates jurídicos acerca do que era ou não atividade essencial, para fins de funcionamento do comércio e de setores que aglomeram determinado número de pessoas, bem como no tocante a dados concernentes à vacina contra a COVID-19.
Faz-se possível, dessa maneira, elaborar reflexões sobre a divulgação dos dados pessoais para fins de transparência e publicização nos planos de política pública relativos à vacinação e subsequente imunização da população, seja em seara nacional ou regional.
Assim, questiona-se: como e em que ponto pode ser encontrado o equilíbrio entre o acesso à informação e a proteção dos direitos à imagem e privacidade pessoal? O pleno acesso à informações relativas à vacinação e à imunização tem o condão de colaborar para a melhoria da situação vivenciada pelo país?
Seguindo, os questionamentos podem ser muitos: a fiscalização realizada pelos Órgãos de Controle Estatal estão sendo suficientes para assegurar a eficácia integral dos planejamentos públicos de vacinação? Os planos de vacinação estão sendo cumpridos conforme o planejado? Seriam interessante parcerias público-privadas para fins de vacinação da população?
E, ainda, de acordo com os conceitos de dados
explicitados, bem como tendo em vista os conceitos de anonimização e
pseudonimização, pergunta-se: seria possível, então, promover
divulgações de dados pessoais anonimizados ou pseudonimizados sobre
a vacinação e imunização e, ao mesmo tempo, satisfazer a transparência e
publicização dos números de vacinados, locais de vacinação, tipos de vacinas
aplicadas, dias e horários de campanhas sanitárias e público efetivamente
alcançado?
Ante o exposto, nota-se que a questão é densa e traz consigo muita complexidade, bem como margem a diversos tipos de entendimento e posicionamentos.
A harmonia entre os direitos fundamentais só é alcançada através da aplicação da proporcionalidade que, sob a forma de princípios, devem ser realizados nas máximas medidas possíveis. Diante dessa premissa, o jurista alemão Robert Alexy formulou uma lei que se aplica a todas as ponderações de princípios, a chamada “lei da ponderação”, que prescreve que quanto maior é o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro.
Robert Alexy, nesse sentido, propôs o seguinte critério: quanto maior for a intervenção num determinado direito, maiores terão que ser os motivos que justifiquem o afastamento desse direito. E lembrando que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem sempre pautar a ponderação.
Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade da Administração Pública, no que lhes toca, dizem respeito à proporcionalidade entre os meios utilizados pelo administrador público e os fins que ele pretende alcançar, bem como que os meios empregados pela Administração sejam adequados à consecução do fim almejado e que sua utilização, especialmente quando se trate de medidas restritivas ou punitivas, seja realmente necessária[2].
A ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles. Ou seja, busca-se uma aplicação equilibrada entre os mais diversos princípios fundamentais do Direito: no presente caso, do acesso à informação (art. 5º, inciso XXXIII, da CF/88) e direito à imagem e à privacidade (art. 5º, inciso X, da CF/88).
Por fim, importante mencionar que não há direito absoluto, conforme trecho de entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus 93250, a saber:
PROCESSO PENAL. PRISÃO CAUTELAR.
EXCESSO DE PRAZO. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTA. VALORAÇÃO
DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE EM HABEAS CORPUS.
...
6. Na contemporaneidade, não se
reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos
fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de
Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os
critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram
fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de
determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura
jurídico-valorativa.
...
(STF - HC: 93250 MS, Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 10/06/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-04 PP-00644)
As ponderações devem ser feitas de acordo
com a análise pormenorizada do caso concreto, apto a ensejar o equilíbrio na resolução
da causa e resguardando-se os direitos fundamentais envolvidos na problemática.
Portanto, cabem aos gestores da
Administração Pública encontrarem parâmetros na LGPD para sopesar o controle
social da pandemia e a proteção aos direitos individuais fundamentais para que
tenham finalidade específica, limitada e segura no uso de seus valiosos bancos
de dados (art. 5º, inciso IV, LGPD: conjunto estruturado de dados
pessoais, estabelecido em um ou em vários locais, em suporte eletrônico ou
físico).
A virtude consiste em saber encontrar o
meio-termo entre dois extremos – Aristóteles.
Brasília/DF, 10 de maio de 2021.
LUCAS OLIVEIRA JUSTO
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Lucas Oliveira Justo é advogado, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), inscrito na OAB/DF sob o n° 57.733, com experiência na Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), na Procuradoria Federal Especializada junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e experiência como advogado associado no Escritório Rodrigues de Souza Advogados Associados. Instagram: lucasjustoadv |
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