Médicos anestesistas ameaçam paralisar cirurgias eletivas no início de 2026
A crise que assola o Hospital de Cataguases ganhou novos e graves contornos nesta semana. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais protocolou, em 19 de dezembro, uma emenda à Ação Civil Pública que já tramita contra o hospital, ampliando o cerco sobre a gestão municipal e incluindo a nova empresa que gerencia o Pronto-Socorro, após a saida da MAM, no polo passivo. A peça, assinada pelo promotor Rodrigo Ferreira de Barros, não poupa críticas à condução da intervenção municipal comandada pelo prefeito José Henriques e expõe um cenário que, longe de se estabilizar, parece mergulhar cada vez mais em um ciclo vicioso de inadimplência e irregularidades.
A emenda do MP vem na esteira de fatos que revelam a dimensão da crise. A empresa SERVANEST – Serviços de Anestesiologia, que mantém contrato ininterrupto com o Hospital desde 2015, notificou extrajudicialmente a instituição cobrando débitos que se acumulam desde julho de 2025. São três competências em atraso: outubro e novembro de 2025, além de valores remanescentes de AIHs de 2022 e 2023. Na notificação, datada de 10 de dezembro, a empresa estabeleceu prazo até 31 de dezembro para quitação integral, sob pena de suspender todos os procedimentos eletivos de anestesia a partir de 1º de janeiro de 2026, mantendo apenas os atendimentos de urgência e emergência.
O documento do Ministério Público é contundente ao apontar que o quadro de inadimplência não se restringe à MAM Soluções em Saúde, empresa que já foi alvo de paralisação dos médicos plantonistas em novembro. A situação se estende agora aos anestesistas, cuja atuação é absolutamente indispensável para a realização de cirurgias. A promotoria destaca que a empresa SERVANEST "sempre observou e se portou, rigorosamente, em consonância com a probidade e com a boa-fé objetiva" durante toda a década de relação contratual, tornando ainda mais grave o descaso com os pagamentos devidos.
Mas o ponto central da emenda apresentada pelo MP é a contratação de empresa para gerenciar o PS sem a devida tomada de preços, decisão que a promotoria classifica como portadora de "vícios graves e insanáveis". Segundo o documento, a equipe de intervenção nomeada pela Prefeitura rescindiu o contrato com a MAM e recontratou a empresa anterior sem realizar cotação prévia de no mínimo três fornecedores e sem apresentar memória de cálculo demonstrativa da formação do preço. Mais grave ainda: a recontratação ignora completamente as recomendações do DENASUS, que em relatório de auditoria anterior já havia apontado as mesmas irregularidades nas contratações.
A promotoria ressalta que as entidades filantrópicas de assistência à saúde, por lidarem com recursos públicos, devem submeter suas contratações a critérios técnicos objetivos que respeitem os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União. Ao recontatar a mesma empresa sem corrigir as irregularidades apontadas, a gestão municipal estaria, segundo o MP, "representando repetição do mesmo ciclo vicioso de contratações irregulares que caracteriza a má gestão dos recursos públicos".
A emenda do Ministério Público traz ainda uma informação preocupante: haveria, na recontratação, um acordo informal prevendo que a inadimplência de até 60 dias não ensejaria rescisão contratual. Para a promotoria, isso "já prenuncia que, uma vez mais, não haverá pagamentos tempestivos das obrigações, redundando no mesmo quadro de risco recentemente vivenciado". A lógica é simples: se já se estabelece de antemão que haverá tolerância com atrasos, está-se admitindo que o problema não será resolvido.
Outro ponto crucial abordado na peça ministerial é a necessidade de criação de conta bancária específica para gestão exclusiva das verbas vinculadas à urgência e emergência. O Hospital de Cataguases recebe mensalmente R$ 666.632,04 em repasses fixos do SUS, além de R$ 424.992,96 oriundos de convênio com municípios circunvizinhos, totalizando mais de R$ 1 milhão por mês destinados especificamente aos serviços de urgência e emergência. Segundo o MP, o histórico recente de gestão financeira evidencia que esses recursos estariam sendo misturados com o caixa geral do hospital e utilizados para pagamento de outras despesas não vinculadas, configurando desvio de finalidade.
A promotoria destaca que a criação de conta segregada não é "mero formalismo burocrático", mas medida essencial para garantir a vinculação constitucional dos recursos, facilitar a fiscalização, comprovar a correta aplicação dos valores públicos e proteger os recursos contra medidas constritivas indevidas. O déficit mensal de R$ 1,48 milhão apresentado pelo Hospital, argumenta o MP, não justifica o uso de verbas carimbadas para finalidades diversas daquelas para as quais foram destinadas.
Os pedidos formulados na emenda são claros: inclusão da empresa no polo passivo da ação, determinação imediata para criação de conta bancária específica para os recursos da urgência e emergência, estabelecimento de ordem cronológica de pagamento dos débitos e declaração de nulidade do atual contrato, com prazo de 30 dias para realização de novo processo seletivo que observe as recomendações do DENASUS.
O cenário que se desenha é de crescente instabilidade. Conforme relatado na matéria anterior do Mídia Mineira, a Defensoria Pública já havia ajuizado Ação Civil Pública apontando risco real de colapso e questionando a legalidade dos contratos. Agora, o Ministério Público reforça o cerco, ampliando o escopo da ação e detalhando ainda mais as irregularidades. Para a população de Cataguases e dos municípios circunvizinhos que dependem do Hospital, resta a incerteza sobre quando e como essa crise será efetivamente resolvida. A intervenção municipal, que deveria ter trazido estabilidade e reorganização, parece ter se tornado parte do problema, repetindo os mesmos erros que criticava na gestão anterior.
A inspeção realizada pela GRS-Leopoldina em 16 de dezembro constatou a manutenção de irregularidades assistenciais, evidenciando que os problemas vão além da questão financeira. Enquanto isso, a ameaça da SERVANEST de suspender procedimentos eletivos em menos de duas semanas e a recontratação questionada da Daher e Mansur colocam em xeque não apenas a capacidade de gestão da intervenção municipal, mas a própria continuidade dos serviços essenciais de saúde para uma população que já sofre com a incerteza há meses.
Por Mídia Mineira.
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