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    segunda-feira, 29 de setembro de 2025

    A Geração Prateada e o Tempo Reinventado

    Quando o outono se revela primavera: como a geração acima dos 50 está transformando dor em dança, luto em música e aposentadoria em recomeço

    Foto: Marcos Gama / Mídia Mineira.

    O tempo, esse velho conhecido que insiste em nos pregar peças, anda aprontando das suas por Cataguases. Não daquelas peças cruéis, das que nos tiram o fôlego e nos lembram da mortalidade. Não. Dessa vez, o tempo resolveu ser generoso, quase cúmplice, como um barman que serve aquela dose extra quando percebe que você mais precisa do que merece.

    Foi numa terça-feira qualquer no Studio Danc'Art de Mario Júnior que a crônica da vida real superou qualquer ficção. Ali, onde o corpo se move ao ritmo de batidas que ecoam muito além dos alto-falantes, nossa reportagem encontrou quatro mulheres que decidiram que cinquenta anos não é ponto final. É, no máximo, ponto e vírgula.

    Ana Lúcia, 53 anos, descobriu na dança do ventre algo que nenhuma farmácia vende em prateleira: a possibilidade de encantar-se consigo mesma novamente. "A dança é movimento, a dança é vida", ela dispara com a convicção de quem descobriu o óbvio que todos esquecem. Há quase três anos ela insistiu com o professor para inserir as aulas, porque em Cataguases, convenhamos, é mais fácil achar agulha no palheiro do que professora de dança do ventre. Mas quando achou, agarrou a oportunidade como quem segura a última boia no naufrágio da rotina.

    Ana Lúcia descobriu a dança do ventre.
    Foto: Marcos Gama.

    O corpo feminino, esse território de batalhas silenciosas e vitórias não celebradas, encontra na dança do ventre uma espécie de reconciliação. Ana Lúcia fala de movimentos que "mexem com o ventre da mulher" com uma reverência quase religiosa. E tem razão. Em tempos onde o corpo da mulher é sempre território de opinião alheia, dançar para si mesma é ato revolucionário.

    Cláudia Maria, 63 anos, conhece bem o preço da reinvenção. Aos 51, após perder a filha (essa dor que não tem nome em idioma algum), ela teve duas escolhas: afundar nos medicamentos ou buscar outro tipo de remédio. Escolheu o piano. Durante doze anos, as teclas preto e branco têm sido sua tábua de salvação, sua terapia que não cobra por hora e não pergunta como você está se sentindo.

    Cláudia Maria resolveu estudar piano após uma grande perda.
    Foto: Marcos Gama.

    "Leveza da alma", é como ela define o que a música trouxe. Duas palavras que carregam o peso de uma tragédia transformada em melodia. A indicação médica era clara: reinvente-se ou afunde-se. Cláudia escolheu acordes em vez de ansiolíticos. E hoje, aos 63, está de pé, não depende de ninguém, e tem apenas gratidão para oferecer. "Mesmo tendo caído, pede força a Deus, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima", ela aconselha com a autoridade de quem já dançou na beira do abismo.

    Mariana Cândida, 68 anos, carrega no peito uma paixão de adolescente: o francês. Começou aos 14, na época do curso clássico, quando se estudava francês, latim e inglês como quem aprende a decifrar o mundo. Deu aula, casou, teve filhos, criou netos, mas o francês nunca saiu da cabeça. "Je ne regrette rien", cantava Edith Piaf, e Mariana Cândida concordaria em cada vírgula.

    Mariana Cândida carrega no peito a paixão pelo francês.
    Foto: Marcos Gama.


    Aos 65, ela retomou os estudos. Hoje, divide a sala de aula com meninas jovens que estudam línguas por causa do trabalho na Energisa e em outras empresas. A convivência, diz ela, é ótima. "Às vezes eu esqueço os verbos e peço ajuda para as meninas", confessa rindo, sem nenhum constrangimento. A Lanna, crack em verbos, socorre; Mariana Cândida aprende; a vida continua em conjugação perfeita.

    Já conheceu boa parte da Europa — Portugal (duas vezes), Holanda, República Checa, até Viena, onde a filha pianista mora. Mas a França, ah, a França ainda espera. E quando for, não será como turista perdida com mapa na mão. Será como alguém que voltou para casa depois de décadas de saudade.

    Rita Barros tinha mais de 45 anos quando descobriu que havia uma escritora morando dentro dela. Professora por vocação e formação, filha do distrito de Cataguarino (o distrito que carrega a poesia no nome e na alma), ela passou décadas educando crianças antes de decidir educá-las também através de livros. Já publicou cinco, o sexto — "A Casa do Caracol" — está a caminho.

    Rita Barros virou escritora e compositora depois dos 50.
    Foto: Marcos Gama.

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    Mas não parou nos livros. Depois dos 50, compôs hinos. Para Cataguarino, para escolas, para a memória do pai folclorista. Em 2018, criou um samba-enredo em homenagem ao Sr. Zico Justino, que teve a graça de participar do desfile, de ver sua vida virar melodia. "Foi a tempo", ela diz, e nessa frase cabe toda a urgência de quem entendeu que homenagens não devem esperar funerais.

    O que essas quatro mulheres têm em comum, além da terça-feira no studio de dança? A recusa radical em aceitar que a vida tem data de validade. Elas representam uma geração que está reescrevendo as regras do envelhecimento como quem rasga um contrato abusivo.

    Porque veja bem: enquanto o mercado de trabalho brasileiro ainda trata os 50+ como peças de museu, como profissionais com prazo de validade vencido, essas mulheres (e tantos homens também) estão provando que experiência não é peso morto. É capital acumulado, é expertise que nenhum curso intensivo consegue forjar.

    As empresas mais espertas já perceberam. Contratam pessoas de 60, 70 anos não por caridade, mas por estratégia. Sabem que quem já viveu cinco décadas não entra em pânico na primeira crise, não chora no banheiro porque o cliente foi grosseiro, não pede demissão porque o chefe é chato. Já viu coisa pior. E sobreviveu.

    Mas a revolução prateada vai além do mercado de trabalho. É sobre sustentar a vida em três dimensões: financeira, mental e emocional. Porque de que adianta ter dinheiro no banco se a alma está vazia? E de que vale a paz de espírito se a geladeira está vazia?

    A dança, o piano, o francês, a literatura — essas não são apenas terapias ou hobbies para matar o tempo. São investimentos. Na saúde mental, porque mantêm o cérebro ativo, desafiado, jovem. Na saúde emocional, porque criam propósito, pertencimento, alegria genuína. E até na saúde financeira, porque nunca é tarde para transformar paixão em renda.

    E às vezes, a vida surpreende de formas que nem o roteirista mais ousado imaginaria. Três alunas do Studio Danc'Art: Edna Maria, Mariana Cândida e Rita Barros, foram convidadas para participar de um filme sobre a vida da cantora Maria Alcina. Elas, que começaram a dançar buscando apenas movimento e alegria, de repente se viram no set de filmagem, parte de uma produção cinematográfica. Algo que jamais imaginaram aos 50, 60 anos. Mas que aconteceu porque disseram sim à dança. Porque estavam lá, presentes, vivas, em movimento.

    Edna Maria, Mariana Cândida e Rita Barros, foram convidadas para participar de um filme sobre a vida da cantora Maria Alcina.
    Foto: Marcos Gama.

    Ana Lúcia, com sua dança do ventre, pode dar workshops, aulas, performances — ou estrelar em filmes. Cláudia Maria pode tocar em eventos, ensinar iniciantes. Mariana Cândida pode ser tradutora, professora particular. Rita Barros já monetiza sua arte através dos livros. Essas mulheres não estão apenas sobrevivendo à longevidade. Estão até (se assim desejarem) lucrando com ela. E, mais importante, estão sendo surpreendidas por ela.

    E há um detalhe nada desprezível: a conta da farmácia diminui. Quando você dança, toca, escreve, aprende, o corpo produz os próprios remédios: endorfina, serotonina, dopamina. Esse coquetel que a indústria farmacêutica tenta reproduzir em cápsulas, mas que nunca terá o mesmo gosto da alegria genuína.

    A geração prateada — ou platinada, como alguns preferem — chegou com uma mensagem incômoda para os jovens que acham que inovação é privilégio de quem tem menos de 30: talento não tem idade. E mais: às vezes, só tem talento quem teve tempo de cultivá-lo.

    Não é romantização barata do envelhecimento. Cláudia Maria perdeu uma filha. Mariana Cândida passou dificuldades. Rita Barros veio de um distrito onde estudar era luxo. Ana Lúcia teve que insistir, insistir, insistir até conseguir sua aula de dança. A vida não foi generosa com nenhuma delas. Mas elas decidiram ser generosas com a vida que lhes restava.

    É isso que diferencia a geração prateada: a recusa em ser vítima do próprio envelhecimento. A escolha consciente de que, depois de décadas sendo ponte para os outros atravessarem, está na hora de ser o próprio rio. De fluir.


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    O mercado de trabalho finalmente está abrindo os olhos (ou os cofres, que dá no mesmo). Empresas descobrindo que contratar cinquentões não é filantropia, é estratégia. Que essas pessoas têm muito a ensinar para os jovens que entram cheios de diploma e vazios de vivência.

    E a geração prateada não está pedindo esmola. Está oferecendo ouro. A diferença entre prata e ouro é apenas química; na prática, ambos são valiosos, ambos reluzem. E ambos foram polidos pela vida até chegarem ao ponto exato de brilho.
    Mas para construir esse futuro sustentável: financeiro, mental e emocional, é preciso começar. E começar significa superar aquela vozinha interior que diz "você é velho demais para isso". Cláudia Maria tinha 51 quando sentou pela primeira vez no piano. Mariana Cândida tinha 65 quando voltou para a sala de aula. Rita Barros tinha 45 quando escreveu a primeira linha. Ana Lúcia tinha mAis de50 quando mexeu o quadril pela primeira vez na dança do ventre.

    Se fosse tarde demais, elas não estariam aqui. Radiantes. Ativas. Vivas.

    O conselho é unânime entre elas, com pequenas variações de vocabulário mas absoluta convergência de sentido: não pare. Nunca pare. Se caiu, levanta. Se esqueceu, pergunta. Se tem vontade, faz. A idade é desculpa de quem já desistiu antes de começar.

    Porque envelhecer é inevitável. Todos nós, se tivermos sorte, chegaremos lá. Mas envelhecer sem propósito, sem alegria, sem movimento, isso é opcional. E francamente, depois de ouvir essas mulheres, parece uma opção muito ruim.

    A longevidade não é mais aquele prêmio de consolação, aqueles anos extras que você ganha mas não sabe muito bem o que fazer com eles. A longevidade é a segunda chance que a vida oferece. A oportunidade de fazer tudo aquilo que você adiou porque estava ocupado criando filhos, pagando contas, sendo responsável.

    E se você acha que é tarde, pense em Cláudia Maria tocando piano aos 63 depois de uma grande perda. Se ela conseguiu transformar a maior dor do mundo em música, você consegue começar aquele curso que está adiando. Se Mariana Cândida aos 68 ainda conjuga verbos em francês sem vergonha de errar, você consegue aprender aquela habilidade nova. Se Rita Barros publicou cinco livros depois dos 45, você consegue escrever aquele primeiro parágrafo.

    A geração prateada não veio para ficar na arquibancada vendo o jogo dos jovens. Veio para entrar em campo. E está jogando tão bem que, francamente, muita gente mais nova devia parar de olhar para o próprio umbigo e começar a prestar atenção.

    Porque no tempo da geração prateada, como diria o poeta, o outono é apenas outra palavra para primavera. E primavera, todos sabemos, é tempo de florescer.

    Então floresça. Não importa que seja inicio de semana. Não importa que você tenha 50, 60, 70 anos. Não importa que você nunca tenha dançado, tocado, escrito ou conjugado um verbo em francês na vida.

    Comece.

    O tempo, esse velho cúmplice, está do seu lado. E a conta da farmácia, pode acreditar, vai agradecer, o farmacêutico talvez não.

    Por Marcos Gama / Mídia Mineira.

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