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    quarta-feira, 10 de abril de 2024

    CARTAS DA PROVÍNCIA - Capítulo 04 - Atestado de ingenuidade ou...



    Crônica de Chico Aguiar

    ATENÇÂO: “Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”.

    Cheguei! Cheguei chegando, como diz a juventude nesse ano de 2024 da Graça de Nosso Senhor.

    E não é que as cartas, ou melhor, os e-mails de meu amigo Joel se tornaram uma tradição? Pelo menos para mim. Aponta o fim de semana, cai na caixa postal mais detalhes da vida de meu amigo nas terras de Morro dos Carcarás. Por sinal, pretendo reunir esses relatos para, no apagar do ano, presenteá-lo com uma edição de livro com poucos exemplares. Apenas uma lembrança carinhosa para o amigo sempre desejoso de ser escritor, entretanto a vida não é o desenho que fazemos quando somos embalados pela infância. Diante da realidade deixamos para traz os nossos sonhos. Assim o mundo vai perdendo astronautas, escritores, médicos, bombeiros, policiais e tantas outras profissões que, no íntimo, desejamos. A realidade mata. Mata e esteriliza. Quando não dá certo, alguns viram políticos e, em muitos casos, negam o que tanto queriam ser ou que aprenderam com os pais.

    Mas vamos lá:
    “Amigo Chico, peço desculpas por não estar me prolongando em minhas cartas eletrônicas. Está acontecendo tantos fatos somados às diversas reuniões na Câmara de Vereadores de Morro que as pizzas estão saindo em dobro do movimento normal o que toma muito do meu tempo. Se tem uma reunião de nossos representantes para debater um assunto importante para a comunidade, tenha certeza que haverá pizza. Pizza para todos os gostos. Ainda mais nesse ano onde as eleições municipais prometem. Por sinal, o que não falta é história. Na verdade, histórias porque são muitas, algumas inacreditáveis em razão da afronta que fazem aos carcarenses como, por exemplo, aquela em que os vereadores deixaram de fiscalizar atos do Executivo porque, apesar de ser uma obrigação deles, a maioria achou por bem nada fazer. “Dá trabalho”, chegou a afirmar um representante do povo. 
    A novidade é dança partidária com vistas às urnas. O prefeito, que também é chegado numa pizza – muito chegado, afirmo de passagem – está fazendo poucas e boas para cooptar vereadores para os partidos que “apoiam” a sua tentativa de reeleição. É de salientar que no pleito passado, antes de ser eleito, fazia questão de espalhar aos quatro ventos que a reeleição era um erro. Hoje, lambuzado pelo melaço do Poder, afirma que isso é mentira, que nunca disse algo assim. Não é muita hipocrisia, você não acha? O certo é que, em reuniões na calada da noite, sempre com muitas pizzas encomendadas, faz acordos e tratos ou distratos conforme a conveniência. Ocorre que, começo a notar, alguns de nossos legisladores ou estão passando atestado de ingenuidade ou são, como direi, sem nenhuma capacidade de raciocínio – a Priscila, minha esposa, afirma que é burrice clara e límpida. Explicarei: estamos no período da chamada janela partidária, quando um vereador pode mudar de partido sem perder o mandato. Pois alguns seres de alta capacidade intelectual estão se mudando para partidos que não conseguirão os percentuais de votos necessários para eleger alguém. Pouco importa se o indivíduo consiga uma votação expressiva, se o partido em que está afiliado não obtiver o número de votos para eleger um vereador... Aí já era, tem que chorar em casa mesmo. Chamou minha atenção que o Vincencius Migrado, vereador que tem base eleitoral no bairro do Bambu Verde, lá pelas bandas do Porto dos Três Vinténs, saiu de um partido onde reinava absoluto, com bons nomes para compor a chapa e obter índice eleitoral, foi para um partido nanico, sem nenhuma participação de pessoas de expressão na comunidade. Creio que depois de várias eleições vitoriosas vai levar ferro. Um ferro imenso. Será que é ingênuo a esse ponto? Ou não está vendo que o ferro vai entrar? De repente é isso o pretendido, não sei. Vá entender, né?!

    Ah, o melhor da semana foi a presença do folclórico Tuninho Manero aqui na pizzaria. Ele foi uma das primeiras pessoas que conheci quando aqui cheguei. Muito inteligente, com vasta cultura, só que caiu nas graças da bebida. Perdeu tudo. De casa à esposa. Seus filhos nem querem saber dele. É triste. E agora soube que a saúde começa a escapar. De qualquer forma, ouvi-lo sempre é prazeroso porque, apesar de sua erudição é humilde, essa qualidade que não se vê mais ou quando surge é de uma falsidade visível.

    Na última terça-feira, quase no final do expediente, cambaleou pela praça de São Dimas, passou pelo prédio da prefeitura e cruzou os braços como se fizesse aquele antigo sinal de dane-se, também conhecido como “banana”. Percebi que cuspiu na porta do meio de tinta ocre descascada em algumas partes. Deu meia volta sobre os calcanhares vindo em direção à pizzaria. Educado, cumprimentou os poucos fregueses puxando a cadeira perto do balcão onde eu estava fechando o caixa da noite. Como se fosse um ritual, pigarreou. Entendi. Enchi o copo americano com uma farta dose de uma cachaça que mantenho guardada especialmente para alguns amigos que às vezes aparecem para uma prosa. Após virar o copo começou: ‘tenho vergonha da cidade. Na verdade, tenho vergonha do que o Morro dos Carcarás se transformou. Antes, há mais de 30 anos, éramos conhecidos como um centro de importante mineração, além da primorosa qualidade de nossas fraldas que hoje foram trocadas pelas descartáveis. Tínhamos também um padrão educacional que era apontado como um dos melhores dessa região de Minas Gerais. Hoje nada mais é assim. Tudo acabou. Vive-se no passado tão distante quanto o progresso que certa vez apeou aqui. Nesse ano em que teremos eleição para prefeito, vice e vereadores surgem as chamadas obras eleitoreiras. Nada se faz em três  anos e chega no último inventa até o que não tem precisão. Será que essa gente ainda acredita na ingenuidade da população ou é falta de caráter, essa preciosidade tão escassa? Quer exemplo, quer exemplo? Diz aí, Joel, quer exemplo?’.  
    Nesse momento compreendi a indagação. Era pedido de mais branquinha para saciar a garganta. Levei mais uma dose ao copo, não igual à primeira, quase à risca, mas o suficiente para, como diz o provérbio, “matar o bicho”.  Após virar o copo à boca continuou:

    ‘No mundo inteiro, as administrações que pretendem ser inteligentes, em consonância com a realidade em que vivemos, trabalham para diminuir os efeitos do aquecimento global. E o que se faz aqui? Joga asfalto nas ruas. Isso sem nenhum estudo de impacto ambiental, especialmente se a rede de águas consegue assimilar as chuvas que não serão mais absorvidas pelo solo. E nem se fala que o asfalto aumenta em mais de 10 graus a temperatura no ambiente por horas e horas, guardando o calor do sol noite adentro. E para isso gasta-se milhões e mais milhões enquanto seria muito mais econômico manter o piso original das velhas ruas e dar manutenção e, isso sim, levar esse capeamento para os bairros mais periféricos, nos morros onde estão os trabalhadores. O asfalto não é progresso não. Do jeito que se faz aqui é desperdício ou ignorância. Ou ambos. Só serve para quem tem carrão. O povo tem carrão? Por isso eu digo que esse governo só beneficia os ricos. E tem mais, a população não tem remédios, não tem posto de saúde decentes. Não seria melhor investir nessas áreas? E digo mais, meu caro Joel...’

    Nesse momento Manero aponta para o copo. Apesar do receio de que passasse mal, atendi.

    ‘Morro dos Carcarás é cidade da Educação. Não seria mais inteligente gastar essa dinheirama com nossas escolas. Imagine que poderíamos ser um centro educacional. Com investimentos certos, em oito anos, teríamos uma nova Morro dos Carcarás. Seria  uma cidade atraente para instalação de novas empresas, trazendo de volta o progresso perdido. As grandes empresas desejam mão-de-obra qualificada nessas épocas do mundo mais do que eletrônico. Mas, gasta-se uma fortuna com o que não fará diferença. O que nos resta é vergonha. A vergonha montou morada na terra. É, sou um falastrão. Sei que todos comentam, riem de mim, do que já fui e quem sou hoje. Danem-se. Tenho o meu orgulho, não tenho vergonha de mostrar quem realmente sou, me envergonharia, isso sim, em dar aparências do que não sou. E os nossos políticos no Poder não são o que mostram...’

    Nesse momento, meu amigo Chico, puxei o copo de cima do balcão. Era hora de fechar. Desanimado, em silêncio, concordei. Manero disse bem, só quem não pensa deseja continuar.  Ou quem está ganhando bem e muito bem. Falar que quer mais, passa atestado de ingenuidade ou...

    Meu amigo, abraços. Na semana que vem conto mais.

    Por Chico Aguiar.


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