Executivo municipal tenta cancelar na Justiça leis aprovadas pela Câmara que visam proteger crianças de conteúdos inadequados
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Imagem: Reprodução Facebook. |
O município de Cataguases vive um impasse jurídico-político que revela contradições preocupantes na gestão pública local. Enquanto o Brasil debate intensamente a adultização precoce de crianças e adolescentes, especialmente após episódios envolvendo influenciadores digitais e conteúdos inadequados em redes sociais, a administração municipal caminha em sentido oposto ao que se esperaria de uma gestão responsável.
O prefeito José Henriques decidiu contestar judicialmente duas leis aprovadas pela Câmara Municipal, de autoria do vereador Carlos Magno, o Maguinho, que estabelecem restrições claras ao uso de músicas com apologia ao crime em escolas e eventos públicos. As normas foram vetadas inicialmente pelo prefeito, mas os vereadores derrubaram os vetos e as leis foram promulgadas pelo presidente da Casa, Vinícius Machado.
A adultização de crianças representa um fenômeno social complexo que tem gerado alertas de especialistas em desenvolvimento infantil. Pesquisas indicam que a exposição precoce a conteúdos violentos ou que normalizam comportamentos criminosos pode acelerar processos de desenvolvimento emocional de forma inadequada, comprometendo a formação de valores éticos e sociais. Neste contexto, iniciativas legislativas que buscam proteger o ambiente escolar de influências nocivas deveriam encontrar apoio, não resistência.
As Leis 5.103 e 5.104 de 2025 estabelecem diretrizes objetivas e necessárias. A primeira proíbe a contratação, com recursos públicos, de artistas que promovam apologia ao crime, tráfico de drogas ou violência. A segunda veda a execução de músicas com conteúdo similar em escolas municipais e particulares. Ambas as normas definem claramente o que consideram inadequado: manifestações que incentivem atividades ilícitas, glorifiquem facções criminosas ou incitem violência.
O argumento técnico utilizado pelo prefeito nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade baseia-se em questões de competência legislativa, alegando invasão de atribuições federais e do Poder Executivo. Contudo, esta estratégia jurídica obscurece o debate central: a proteção de crianças e adolescentes contra conteúdos potencialmente prejudiciais ao seu desenvolvimento.
A situação torna-se mais complexa pela ausência de defesa adequada das leis na Justiça. O presidente da Câmara, Vinícius Machado, revelou que a Casa Legislativa não possui recursos para contratar escritório especializado em Belo Horizonte, diferentemente do Executivo, que sempre tem ajuizado as ações na capital mineira. Esta disparidade de recursos pode resultar em julgamento à revelia, comprometendo a análise adequada do mérito das normas. O presidente revelou ao site Mídia Mineira que já incluiu no orçamento do ano que vem a contratação de um escritório em Belo Horizonte para poder responder adequadamente às Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ou que dizem respeito à Câmara de vereadores.
O posicionamento da Procuradoria-Geral de Justiça, que opinou pela procedência da ação do prefeito alegando censura à liberdade de expressão, merece reflexão cuidadosa. Existe diferença fundamental entre censurar manifestações artísticas legítimas e estabelecer limites éticos para o uso de recursos públicos em ambientes educacionais. Nenhuma sociedade democrática está obrigada a financiar ou permitir em suas escolas conteúdos que façam apologia explícita ao crime.
A questão transcende aspectos jurídicos e atinge o âmago das responsabilidades do poder público com a proteção da infância. Estudos em neurociência cognitiva demonstram que o cérebro adolescente ainda está em desenvolvimento, particularmente nas áreas responsáveis pelo controle de impulsos e tomada de decisões. A exposição sistemática a conteúdos que normalizam comportamentos criminosos pode influenciar negativamente este processo de maturação.
O timing desta contestação é particularmente questionável. Em momento no qual educadores, psicólogos e especialistas em desenvolvimento infantil alertam para os riscos da exposição precoce de crianças a conteúdos inadequados, a postura do Executivo municipal parece desalinhada com as preocupações sociais contemporâneas.
A defesa da liberdade artística é legítima e necessária em qualquer democracia, mas não pode ser utilizada como escudo para justificar a ausência de critérios éticos mínimos no uso de recursos públicos ou na definição de conteúdos apropriados para ambientes educacionais. A questão não é sobre censurar artistas, mas sobre escolhas responsáveis na aplicação de verbas públicas e na proteção de espaços dedicados à formação de crianças e adolescentes.
O desfecho deste embate judicial terá repercussões que transcendem os limites de Cataguases. O precedente estabelecido pode influenciar debates similares em outros municípios, definindo se a proteção de crianças contra conteúdos inadequados será considerada prioridade ou obstáculo pelos gestores públicos.
A sociedade cataguasense merece explicações claras sobre as prioridades de sua administração municipal. Em tempos nos quais a proteção da infância deveria ser consenso, a decisão de contestar leis que buscam estabelecer critérios mínimos de adequação para conteúdos em escolas e eventos públicos revela uma compreensão preocupante sobre o papel do poder público na formação das futuras gerações.
Por Mídia Mineira.
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